Somente
hoje, segunda-feira, dia 16 de abril de 2012 eu consegui escrever esse relato,
com mate novo e música campeira, bem relaxado aqui no sofá. Acho, todavia, que
ainda que tivesse feito isso antes não seria a mesma coisa, pois apenas hoje
cujo todos os músculos de minhas pernas doem tive real noção do que se passou
ontem. Foi de fato, como anteriormente previsto por mim o maior desafio do ano –
pelo menos até o próximo – e sabia de fato que muitas surpresas eu teria,
algumas boas outras nem tanto e assim se fez.
O
dia começou bem cedo, às 4h30 da manhã já estava em pé, tomei um amargo para
ganhar uma última energia pré-prova, peguei o sensei Hideaki e lá fomos nós. Chegamos à USP por volta de 5h40 e
em menos de 15 minutos depois já estávamos com os kits e preparados para a
peleia.
O
dia começou a ganhar forças e a arena já estava enchendo, não demorou muito já
dava pra ver o tamanho da fila se formando para a retirada dos kits, o que fez
a largada atrasar um pouco, mas nada de muito sério. Alongamos um pouco e pouco
mais de 20 minutos antes da largada fomos para nosso posto. A euforia da galera
postada por ali começou a contagiar. Dei aquela última olhada pra trás e me
certifiquei, portanto, que havia chegado a hora, não dava mais para planejar
nada, agora era colocar em prática tudo o que foi treinado, embora sabia muito bem
que a parte psicológica seria tão exigida quanto a física – só não imagina o
quanto.
E
lá fomos nós, largada dada. Agora era vencer o sol, os 21 quilômetros, a fadiga
muscular e, principalmente, vencer aquela vontade de desistir que algumas vezes
já senti, embora bravamente eu nunca tenha feito isso. Ainda com aquele belo –
e nervoso – sorriso no rosto passamos pela placa marcando o primeiro quilômetro
vencido. E assim a coisa aconteceu até o quilômetro seis quando o sensei bateu em minhas costas e disse: “vai guri, faz teu ritmo que te encontro lá
na frente”. Fui contemplando cada palmo, cada centímetro, cada placa que eu
vencia e deixava pra trás. Logo que enxerguei a placa de dez pensei: “assim dez quilômetros nem parecem ser tão
longos e chatos”. Dei um sorriso para o nada balancei a cabeça e continuei
minha peleis, sabia que para o final ainda faltava um bom pedaço, aliás, nem
estava mesmo pensando no final, se assim fosse seria traído pela já tradicional
ansiedade, que insiste em me assolar e atrapalhar na hora mais inoportuna.
Tudo
ia bem até aparecer minha primeira preocupação, ao passar pelo pórtico que
marcava exatamente a metade do percurso senti uma fisgada na perna esquerda, na
parte de trás que ia desde o calcanhar até a coxa, a impressão que tive é que
eu teria câimbra. Ah não, justo agora... Hoje
não, por favor. Diminui um pouco a cadência para tentar entender o que de
fato estava acontecendo. Fiquei muito tenso, e para ser bem franco não consegui
ser otimista, achei que a partir dali seria daquilo para pior. Mas não foi, ao
passar pelo posto de Gatorade – que eu tentei tomar correndo, o que me fez
derrubar mais da metade na roupa – eu não senti mais a tal fisgada. Empolguei-me
e aumentei o passe, já estava no quilômetro treze, e ao entrar outra vez na USP
tinha uma galera gritando e incentivando, o que me deu uma “injeção” de ânimo.
Pensei: “agora vai”. E fui. Só quando
eu vi a placa marcando 14 é que me dei conta que ainda tinha muita coisa para
acontecer, e que deveria “guardar um pouco para o final”. Quando eu passei pelo
pórtico da Netshoes já senti algumas fadigas, era o momento em que meu corpo já
me passava algumas mensagens de cansaço, mas e daí... Agora eu ia adiante mesmo
assim.
Em
algumas conversas na mesa da “facul”,
ou com alguns profissionais da Psicologia eu já havia participado de algumas
discussões sobre o cérebro ser ou não “programável”, é claro que exatamente ai
as opiniões se dividem. Talvez eu tenha tido essa resposta na prática, pois mesmo
nos meus treinos longões, nunca havia
passado de 18 quilômetros de distância. Porém, além disso, era tudo novidade,
não sabia exatamente como meu corpo reagiria. Mas eu havia “programado” meu
cérebro para 21k e antes disso nada me faria parar. Ao passar pela placa de 16
veio a pior parte. Foi a hora em que senti mais o sol. Apesar de tomar água em
todos os pontos de hidratação eu senti muita sede, a boca seca e o suor caindo
como jamais acontecera. Mas ainda assim eu pensava que isso não era nada que
ainda não havia feito, porém após cruzar a placa dos 18 eu vi que seria
necessário muito mais que músculos. Coincidentemente nesse momento começou a tocar
Até o Fim, dos Engenheiros do Havaí, que diz: “não vim até aqui pra desistir agora”. Isso me fez pensar o quanto
eu havia planejado esses 21 quilômetros, e no “papelão” que seria não completar
a prova. Dos 18 para o 19 eu pensei seriamente em andar, mas ainda tinha “um
pouco para gastar”. Cruzei a placa dos 19 e foi aí que senti muita vontade de
parar. Não dava mais, sério, já estava na hora de parar, caminhar, esperar um
pouco ou sei lá, sentar, deitar, fingir que havia desmaiado para alguém, me dar
um pouco de água ou fazer uma massagem para conter um pouco das dores nas
pernas. Mas não parei, continuei assim mesmo, do 19 para o 20 tive a impressão
de que o quilômetro tinha mil e quinhentos metros, aquilo não acabava mais, que
agonia.
Nesse
momento aconteceu uma cena inusitada, que só o esporte pode promover, ao passar
pelo último ponto de hidratação percebi que o Staff estava segurando apenas um
copo de água. Lá trás vinha vindo outro com uma caixa com mais, só que naquele
exato momento só restava um. Estiquei o braço para pegar e para minha surpresa outro
corredor também cobiçava o mesmo. Por incrível que pareça nossas mãos agarraram
ao mesmo tempo o copo. E agora? Um copo com água naquele momento tinha peso de
ouro. Dei uma risada amarela e disse pra ele: “só tem um, vamos dividir”. Abri, tomei um pouco e passei o copo pra
ele. O cara bateu no meu ombro e disse: “Bora
corredor, vamos lá completar, agora falta pouco”. E disparou na minha
frente. Mas pra mim não faltava tão pouco assim, os mil e quinhentos metros
restantes pareciam os mais longos de minha curta história como corredor.
Chega,
não dá mais, não posso continuar, aquilo não acabava mais. Abaixei a cabeça
para não ficar olhando o quanto ainda restava, corri por algum tempo olhando
para o chão, mas não parei. Senti dores, sede, e uma sensação estranha, talvez
um choro na garganta, não sei bem explicar, acho que nem que tentasse eu
conseguiria chorar. Meu corpo não aguentava mais, não tinha realmente condições
de continuar, mas a mente não me deixou parar. Concluo, portanto, que nosso
cérebro É SIM, programável. Fui com a mente, por alguns instantes tive a
impressão esquisita de não estar sentindo minhas pernas. Acho que era isso,
estava anestesiado. Quando levantei a cabeça vi que faltava pouco mais de 200
metros para a placa de 20. Agora sim, estava na hora de colher o fruto do
esforço dispensado até o presente momento. Passei por ela e já não sentia mais
nada, só vontade de terminar, após um período de tempo não sei de fato
determinar, pois como citei anteriormente, não estava sentindo mais nada
enxerguei a palavra CHEGADA. Pronto, agora era só cruzar o tão sonhado pórtico.
Fechei os olhos, abri os braços, e passei pelo tapete.
Só
depois de passar é que me lembrei de olhar para o cronômetro. Marcava pouco
mais de 2h07. Quando a “anestesia” foi passando eu consegui ouvir os gritos de
uma mulher que olhava pra mim e me mandava continuar andando. Que estranho, eu
não conseguia andar, minhas pernas tremiam. Acho que elas desacostumaram a
fazer isso, com muito custo continuei andando até o posto de Gatorade, peguei
um copo e virei aos moldes gaudérios, bem chucro, botocudo e guapo, como se
tivesse tomando um trago de canha. A rampa que dava acesso à arena foi penosa
para subir, e acreditem, tive sérias dificuldades para sentar no gramado para
tirar o chip. Coloquei a medalha mesmo estando todo suado, bem depois disso
lembrei-me de sorrir pela conquista.
Desci
e fiquei esperando o sensei, fiquei
um tanto preocupado, pois ele demorou bastante. Quebrou nos 17 e concluiu a
prova andando bravamente com câimbras e muita dificuldade. Apesar disso me
senti muito feliz ao vê-lo. Missão cumprida. Vencemos os 21k. E são esses 21 quilômetros que separam homens de meninos.
Cada
corrida tem suas particularidades, não vou nem de longe dizer que essa foi uma das
mais difíceis, talvez não, pois estava treinado e sabia o que ia enfrentar,
acho, todavia, que foi uma das que mais me ensinou. E apesar da dor, que mesmo
agora enquanto escrevo, mais de 40 horas depois da corrida ainda sinto eu tenho
um único sentimento: QUE VENHAM OUTROS
21K. Tenho dito.
Professor Ademir é gremista,
pai do Rodrigo, e já pensa nos primeiros 42 quilômtros.
Ademir, muito legal o seu relato. Realmente emocionante. Você foi guerreiro, pois uma Meia Maratona é um desafio que exige realmente muito treino e foco.
ResponderExcluirQuebrar essa barreira já lhe trará consequências psicológicas inexplicáveis. Você sabe que pode fazer esse desafio, afinal, já fez uma vez, e que, portanto, está no rol de corredores que não são mais meninos!
Também adoto a estratégia de olhar para o chão, mas no meu caso, em algumas ladeiras muito íngremes. Vou correndo e subindo, subindo, subindo, sem olhar... rssss
Parabéns pela emoção nas palavras e nos vemos por aí.
Abraços,
Joel Leitão